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PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL
Princípios do Direito Processual
João Fernando Vieira da Silva[1]
1- A importância dos princípios nos ordenamentos jurídicos contemporâneos
Compreender a dinâmica dos princípios nos dias atuais requer uma visão crítica do Positivismo de outrora.
O Positivismo do início do século XX era refratário a considerações axiológicas. Mesmo Kelsen preconizava que o debate acerca de valores deveria ficar restrito à política judiciária, não fazendo parte do âmago da ciência do Direito.
Tal concepção positivista teve forte influência da Escola de Exegese[2] e da concepção fria no sentido de que os ordenamentos jurídicos eram completos, isentos de falhas e lacunas, despidos de antinomínias, contradições e imperfeições. Nesta ordem de idéias, as leis deveriam sempre ser interpretadas de maneira literal.
O fiasco deste modelo positivista é inegável. A inicial crítica a ser lançada é sua confusão entre os termos legalidade e legitimidade, vistos como quase que idênticos no pensamento positivista mais ferrenho. Assim sendo, qualquer ordenamento jurídico legal seria legítimo. E a Justiça? Um ordenamento injusto é legítimo? A legalidade está acima dos auspícios de Justiça?
Esta forma obtusa de pensar o Direito permitiu que Estados autoritários se utilizassem do manto da legalidade para perpetrar abusos. O Estado nazista era um Estado legal.
O Pós 2ª Guerra Mundial marcou um movimento intenso de reformulação na doutrina positivista, o que não significou, de maneira alguma, o fim do Positivismo. Superar as vicissitudes do Positivismo e incorporar nele mais acepções valorativas, realçando a busca da Justiça e o papel transformador do Direito foi o grande salto que se colimou nesta virada do Direito.[3]
É dentro deste movimento de mudanças que se deve observar os princípios no Direito.
Muitas vezes confundidos com temáticas jusnaturalistas ou com nuances estritamente éticas ou morais, em verdade os princípios padeceram por muito tempo de ausência de efetividade. Considerações exacerbadamente literais do legalismo não eram capazes de dar notoriedade e respeitabilidade aos princípios. Assim sendo, a doutrina principiológica muitas vezes ficou limitada a considerações abstratas, simbólicas, bonitas em apresentações retóricas, contudo desertas de eficácia.
Prova irrefutável deste atraso era a pouca aplicabilidade dos casos concretos. A LICC é um exemplo claro disto, uma vez que, no art. 4º, relega os princípios a última das fontes subsidiárias de integração do Direito, ou seja, existindo lacuna legal, os princípios gerais do Direito só seriam abordados em caso de ausência de possibilidade do manejo de analogia e costumes para dirimir a controvérsia.
A alteração nos dogmas positivistas rompeu com tal tradição. Os princípios paulatinamente deixaram de ser apenas ideais etéreos e inatingíveis na sistemática jurídica, obtendo força normativa a partir do momento em que passaram a fazer parte do topo da pirâmide jurídica, uma vez que foram expressamente incorporados nas Cartas Constitucionais.
Também na Hermenêutica Jurídica os princípios passaram a ser pontos capitais nos critérios de interpretação.
A moderna ciência jurídica deu respeitabilidade aos princípios, de maneira que, cada vez mais eles têm sido utilizados nas motivações de decisões judiciais e na argumentação que advogados utilizam para defender suas teses em juízo, bem como no empenho de doutrinadores na reflexão de relevantes institutos jurídicos.
Os princípios são detentores de tanta relevância que não seria nada imprudente dizer que só pode ser reputado como ramo do Direito aquele que têm no seu epicentro princípios próprios. Os princípios, embora, por vezes, aparentemente discordantes na resolução do caso concreto, são teoricamente harmônicos e conseguir conferir coerência e uniformidade ao Direito[4].
2- Classificação dos princípios
Sem retirar a credibilidade de outras classificações doutrinárias, mas procurando simplicidade no presente estudo, em suma pode-se dizer que os princípios tem uma célebre divisão em informativos e fundamentais.
Os princípios informativos constituem, em verdade, regras técnicas e tem cunho mais propriamente axiomático que ideológico.[5]
Os mais destacados princípios informativos são os seguintes:
a) Princípio lógico- O Direito deve ter uma ordem estrutural, havendo uma seqüência de atos que deve ser cumprida para que os fins do Direito sejam alcançados;
b) Princípio econômico- O Direito também sofre influência da relação custo-benefício, de maneira que deve tentar os melhores resultados possíveis com o menor dispêndio de recursos;
c) Princípio político- O Direito deve buscar a compatibilização de diferenças, a tolerância e, sobretudo, a paz social.
Já os princípios fundamentais são de matiz mais político-ideológica e merecem um estudo mais pormenorizado na medida em que muitos deles foram expressamente lançados na Constituição Federal de 1988. O Direito Processual, comprovando sua cientificidade e demonstrando tratar-se de ramo autônomo do Direito é repleto de vários destes princípios.
3- Princípios fundamentais do Processo
É importante destacar alguns dos princípios tidos como fundamentais do processo, advertindo-se que a classificação ora realizada não é taxativa, nem tampouco definitiva. Cada estudioso do processo tem sem elenco favorito, mas há um núcleo mínimo de princípios que não deve deixar de ser respeitado e, com tal diretriz, é que se apresenta a seguinte lista.
3.1- Princípio da isonomia
Diz a CF/88, art. 5º, caput:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade....
A isonomia[6] é pedra de toque do constitucionalismo dos autênticos Estados Democráticos de Direito e seu reconhecimento no art. 5º da CF/88, dentre direitos e garantias fundamentais, fixa isto de maneira inderrogável[7].
No Direito Processual Civil também há um exemplo legislativo bem marcante disto:
Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
Ressalte-se, entretanto, que a igualdade não deve ser apenas de cunho formal. Daí cumpre distinguir igualdade formal e igualdade substancial[8].
Igualdade formal é a interpretação literal da idéia de que a lei deve tratar todos sem distinção. Embora, de fato, existam vários momentos nos quais tal pensamento deve prevalecer, é preciso recordar que em sociedades complexas, com níveis de disparidade de forças gritantes, impossível falar em democracia real se os mais frágeis não forem contemplados com certos privilégios.
A igualdade substancial reconhece as diferenças e tenta mitigar as carências dos mais necessitados. Trata-se de perspectiva mais voltada para a realidade, mais atenta ao flagelo de alguns e a necessidade de ruptura com ordens acintosamente liberais, individualistas e pouco preocupadas com a sociedade como um todo[9].
Daí a razoável perspectiva de “tratar os desiguais na medida de sua desigualdade”[10].
Vários são os exemplos nos quais o legislador expressamente consignou esta perspectiva da igualdade.
Na lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumido), destaca-se no art. 6º, inciso VIII, o seguinte:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências...
O ônus da prova, quando segue as regras tradicionais do art. 333 do CPC[11], exige que o autor faça prova das alegações que lança em juízo e que o réu faça prova de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor.
O Código de Defesa do Consumidor efetiva uma quebra nesta regra, uma vez que permite que o consumidor, mais frágil na relação processual, possa fazer alegações e, ao invés dele próprio ser compelido a produzir provas, que seja transferido ao réu a obrigação de fazer a contraprova, ou seja, de provar que as alegações do consumidor não prosperam. Assim sendo, perícias custosas e outras dificuldades que o consumidor tem para fazer prova de suas teses e conseguir êxito em sua pretensão passam a ser encargos lançados nas costas de quem possui mais condições de arcar com isto.
Na mesma linha de pensamento, urge mencionar a Lei 1060/50, a Lei da Assistência Judiciária Gratuita, que permite aqueles despidos de condições econômicas valer-se da isenção de custas e despesas processuais para litigar em juízo[12].
Merece especial atenção recente legislação em prol dos idosos. Trata-se do “Estatuto do Idoso” (Lei 10741/03) que, no art. 71, concede prioridade na tramitação dos processos de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
Frise-se que privilégios processuais em nome do princípio da isonomia não se aplicam tão somente em favor do particular. Mesmo o Estado pode ser favorecido. É o que ocorre por exemplo no que concerne aos prazos processuais da Fazenda Pública e do Ministério Público, segundo o art. 188 do CPC:
Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
É notório que a Fazenda Pública e o Ministério Público fazem parte de um número bastante vultoso de processos, de maneira que o favor em tela permite-lhes condições de tempo para produzirem satisfatoriamente suas alegações em juízo.[13]
Dispositivo que gera certa polêmica refere-se ao art. 100, I, do CPC, que concede privilégio de foro à mulher nas ações de separação judicial, divórcio, anulação de casamento.[14]
Há quem, fazendo interpretação demasiadamente literal do art. 5º, I, da CF/88[15], incorrendo também no vício de estar muito preso à concepção de igualdade formal, conceba o privilégio de foro para a mulher como dispositivo processual inconstitucional.
Contudo, o artigo em análise tem como base de sua constitucionalidade justamente o princípio da isonomia.
A mulher, historicamente oprimida, ser mais frágil e lamentavelmente ainda muito submissa ao homem em certos rincões de mentalidade machista mais arcaica, carece de proteção legal para que possa se livrar de situações de servidão, violência e desconforto. Muitas vezes uma mulher só consegue se livrar de um casamento mal-sucedido quando abandona a cidade do marido e volta para a casa natal. Nestas condições, o privilégio de foro revela-se ainda imprescindível.
Reconhecendo a constitucionalidade deste dispositivo, mas, inusitadamente, recomendando, no caso concreto, aplicações contrárias a este ditame, perfilha-se Marcus Vinícius Rios Gonçalves. É dele a seguinte tese:
“Todavia, no caso concreto o juiz, verificando que a mulher, autora da ação, tem as mesmas condições econômicas e de acesso à justiça que o marido, deve acolher eventual exceção de incompetência por ele posta, deixando de aplicar o art. 100, I”.
3.2- Princípios do contraditório e da ampla defesa
Diz a CF/88, no art. 5º, LV:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes...
O princípio do contraditório se consolida na necessidade de dar ciência às partes de todo o andamento processual, permitindo-lhes reagir contra atos que lhes sejam desfavoráveis. As partes têm direito de ser ouvidas e de expor com liberdade ao julgador os argumentos que pretendem ver acolhidos.
Dentro de um ordenamento jurídico regido por um Estado Democrático de Direito, imprescindível a idéia que as partes sejam sempre comunicadas da seqüência dos atos processuais e possam, em perene dialética, se manifestar constantemente dentro do processo.
Um bom exemplo disto é o art. 398 do CPC:
Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.
Com grande vinculação ao princípio do contraditório, a ampla defesa requer do processo grande atenção à possibilidade do réu contrapor alegações e provas produzidas pelo autor. Interferir no patrimônio ou na liberdade de alguém só é válido se o devido processo legal foi obedecido e o réu teve amplo espaço para articular todas as teses de defesa juridicamente plausíveis.
Vários são os desdobramentos do contraditório e da ampla defesa.
No processo penal, mesmo que o réu até não queira se defender, o juiz deve nomear ao réu pobre um advogado dativo.
Mais impactante ainda é o conceito de que o réu no processo penal com advogado pode ter seu advogado substituído pelo juiz se o magistrado percebe que o advogado tem conhecimentos jurídicos precários, produz defesa atécnica e deixa o réu, em verdade, indefeso[16].
Ressalte-se que a concessão de liminares “inaldita altera pars”, ou seja, decisões provisórias antes da oitiva dos réus, não fere o princípio do contraditório. A urgência justifica a celeridade da decisão, uma vez que, em certos casos, se a providência judicial não é conferida de imediato, o direito perece. Além disto, com efeito, a concessão de liminares não suprime completamente o contraditório. Apenas o posterga, uma vez que depois que a medida liminar for cumprida, o réu pode se manifestar e apresentar resposta. Diga-se ainda que as medidas liminares têm em sua essência a possibilidade de, a qualquer tempo, serem revogadas, de maneira que os argumentos de defesa do réu, desde que provem a injustiça na concessão de uma liminar, podem servir para a reversão de uma decisão judicial.
Outra questão que pode suscitar certa polêmica diz respeito ao contraditório e as provas emprestadas, isto é, provas retiradas de um processo para serem usadas em outro.
As tendências jurisprudenciais majoritárias apontam no sentido de que a prova emprestada só pode ser utilizada se as partes nos dois processos forem as mesmas ou se aquele que não participou da produção da prova no processo anterior concordar que ela seja usada como prova emprestada.
3.3- Princípio da imparcialidade do juiz
A imparcialidade do juiz é pressuposto de validade do processo. A questão tem tanto relevo que mereceu trato constitucional. No art. 5º, dispositivos que configuram expressamente a imparcialidade tem a seguinte redação:
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção
(...)LIII - ninguém será processado nem sentenciado se não pela autoridade competente
A vedação da criação de tribunais ad hoc impede regimes de exceção e decisões tendenciosas com o escopo de deliberadamente prejudicar determinado jurisdicionado. Um processo só pode ser presidido e julgado por autoridade constitucionalmente prevista, o que garante lisura e neutralidade na decisão a ser proferida. A criação posterior de órgão ou tribunal para apreciar um litígio configura uma “surpresa” abusiva para as partes[17].
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, contida na proclamação feita pela Assembléia Geral das Nações Unidas, reunida em Paris em 1948, estabelece que “toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal”.[18]
A garantia do juiz natural impede que as partes possam escolher, a seu critério, o juiz que deverá apreciar a demanda. Com isto, instaura-se uma prudente precaução contra favorecimentos indevidos[19].
Importante dizer que não constitui ofensa ao princípio da imparcialidade eventuais possibilidades legalmente previstas de modificação de competência, tais como a prorrogação, a eleição de foro, a continência ou a conexão. Impende também ressaltar que também não ofende o princípio da imparcialidade a hipótese prevista no art. 87 do CPC de alteração da competência após a propositura da ação quando houver supressão do órgão jurisdicional ou alteração de competência em razão da matéria ou hierarquia.
O STF também decidiu que a Lei de Arbitragem (Lei 9307/96) não ofende o dispositivo em estudo.
Questionamentos intrigantes, objeto, talvez, de pouca reflexão, dizem que a adoção do princípio da isonomia (tópico já estudado anteriormente), a exigir uma atuação mais ativa do juiz para privilegiar os mais frágeis em juízo estaria ofendendo ao princípio da imparcialidade. É preciso refutar esta idéia com o argumento inicial de que não existe nenhum princípio processual absoluto, de maneira que, no caso concreto, é possível mitigar a incidência de dado princípio em favor de outro. Além disto, cumpre dizer que os princípios, embora, por vezes dissonantes, podem ser compatibilizados desde que sejam aplicados com prudência e razoabilidade.
Dando mais força à idéia de que o princípio da isonomia não repele o princípio da imparcialidade, Marcus Vinícius Rios Gonçalves assim expõe:
“Não se trata, evidentemente, de perder a imparcialidade. Muito ao contrário, é por meio desse tratamento desigual que o magistrado poderá assegurar um resultado mais justo, o que mostra que os princípios da igualdade e da imparcialidade interagem”.[20]
3.4- Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
Diz a CF/88, art. 5º, XXXV:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional dá concretude ao direito de ação. A garantia de que qualquer lesão ou mesmo a ameaça a direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário é o primeiro grande passo para a solidificação do acesso à Justiça, pedra de toque em regimes verdadeiramente democráticos.
Fato é que a lei não pode impor condicionamentos ou restrições ao acesso à Justiça. Assim sendo, já não vige no ordenamento jurídico pátrio pensamento da Constituição de 1969, no sentido de que só deveria haver ajuizamento de ação se todas as vias administrativas fossem esgotadas[21]. Hoje, por exemplo, se alguém requer um benefício previdenciário junto às instâncias administrativas do INSS, pode, ao mesmo tempo, requerer o mesmo benefício através de uma ação judicial, sem a necessidade de aguardar a apreciação final do pedido na seara administrativa.
Também consoante com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é o pensamento que proíbe o condicionamento de pagamento para a interposição de ação ou apresentação de recurso contra multa. Tal assertiva, muito próxima de solve et repeat do Direito Tributário, impede, por exemplo, que alguém que pretende desconstituir o título em uma execução fiscal seja obrigado a pagar antes de recorrer.
A inafastabilidade do controle jurisdicional não se realiza com o mero direito de acesso a juízes e tribunais. É de suma importância garantir este acesso, mas também promover um processo justo, com paridade entre as partes e com eventuais facilitações aos litigantes mais frágeis. Só assim decisões justas serão proferidas e haverá efetivação do Direito. Aqui em específico o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional não só assume sua íntima ligação com as acepções modernas do princípio da isonomia e com o devido processo legal, como também reconhece que medidas sócio-econômicas, que extravasam a mera análise jurídica, devem ser tomadas para tutelar tais balizas.
Diz o mestre constitucionalista português Jorge Miranda que “somente quem tem consciência de seus direitos pode ter consciência das vantagens e dos bens que pode usufruir com o seu exercício ou efetivação”.[22]
Diga-se também que o acesso deve ser célere, de maneira que o provimento judicial deve ser proferido em prazo razoável. Neste sentido, destaca-se a Emenda Constitucional 45, que fixou tal idéia justamente no coração do constitucionalismo pátrio- os direitos e garantias fundamentais (art. 5º).[23]
A gratuidade do acesso aos mais pobres é assegurada pelo inciso LXXIV do art. 5º da CF/88 que diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Finalmente, cumpre dizer que a exigência do atendimento dos requisitos para ajuizamento da ação não constitui óbice ao princípio em estudo. As condições da ação são requisitos processuais mínimos para o ajuizamento de qualquer processo e, se não obedecidos, não há o efetivo implemento do direito de ação, levando o processo à sua extinção sem julgamento de mérito.[24]
3.5- Princípio da publicidade dos atos processuais
Note-se que uma visão principiológica do Direito privilegia o respeito à democracia. Estados autoritários geralmente se sustentam unicamente pelo uso desmedido e arbitrário da força, de maneira que dispensam a sofisticação metodológica e a busca pelo encontro da Justiça que faz parte da elaboração dos princípios.
Com o princípio da publicidade dos atos processuais, não é diferente. Os Estados autoritários tendem ao segredo, até porque não seria nada prudente a tais Estados dar publicidade às suas técnicas opressivas governamentais e nem tampouco deixar à mostra as violências e abusos cometidos no exercício despudorado do Poder.
O Estado autoritário é o Estado dos privilégios indevidos, e precisa esconder tais elitismos. O direito à informação é uma premissa visivelmente democrática, típica dos regimes que não tem medo de mostra suas “vísceras”.
A publicidade dos atos processuais também é necessária até para que a sociedade possa fiscalizar seus juízes, evitando, com isto, desmandos e favores inaceitáveis.
Na Constituição Federal há apontamentos severos no sentido da observância da publicidade nos atos processuais.
No art. 5º, destaque para o inciso LX:
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem...
No art. 93, IX, há mais uma menção firme:
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados casos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.[25]
A publicidade é máxima a ser quase sempre seguida, mas ainda existem possibilidades de que o sigilo dos atos processuais seja mantido, principalmente quando estiver em jogo a intimidade[26], a privacidade ou o interesse social, temas que também mereceram atenção na Carta Magna.
O certo é que o princípio da publicidade, como qualquer dos princípios, embora seja norte na aplicação e interpretação do Direito, não pode acobertar excessos, nem dar espaço para a malícia de alguns. Neste sentido, leia-se a seguinte advertência extraída de famosa obra sobre Teoria Geral do Processo da lavra de Ada Pellegrin Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra:
“Aliás, toda precaução há de ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade. Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo. As audiências televisionadas têm provocado em vários países profundas manifestações de protesto. Não só os juízes são perturbados por uma curiosidade malsã, como as próprias partes e as testemunhas vêem-se submetidas a excessos de publicidades que infringem seu direito à intimidade, além de conduzirem à distorção do próprio funcionamento da Justiça através de pressões impostas a todos os figurantes do drama judicial.
Publicidade como garantia política- cuja finalidade é o controle da opinião pública nos serviços da justiça- não pode ser confundida com o sensacionalismo que afronta a dignidade humana. Cabe à técnica legislativa encontrar o justo equilíbrio e dar ao problema a solução mais consentânea em face da experiência e dos costumes de cada povo”.[27]
No Código de Processo Civil, o art. 155 também faz menção ao segredo de justiça, restringindo, portanto, a ampla publicidade:
Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I - em que o exigir o interesse público;
II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. (Redação dada ao inciso pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977)
No processo penal a publicidade é disciplinada pelo art. 792 do Código de Processo Penal, com os seguintes dizeres:
Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
§ 1º. Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.[28]
3.6- Princípio do duplo grau de jurisdição
Trata-se de um princípio que desperta muita polêmica, até porque há quem entenda que não recebeu menção expressa na Constituição Federal, de forma que poderia ser diminuída a sua incidência na prática.
O fato é que, ainda que implicitamente, o duplo grau de jurisdição tem, sim, guarida constitucional.
O art. 93, X, prevê o seguinte:
X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.[29]
Se a Constituição Federal chega ao ponto de prever minúcias das decisões em tribunais, é porque, de fato, admite a existência de recursos e obedece, portanto, ao duplo grau de jurisdição.
Frise-se ainda que certos recursos são expressamente previstos na competência fixada na Constituição Federal para certos tribunais, tais como o STF ( CF/88, art. 102) e STJ (CF/88, art. 105).
Cumpre também registrar que o artigo 5º, LV, da CF/88, quando prevê os já estudados princípios do contraditório e da ampla defesa, é expresso ao mencionar, na parte final do dispositivo, que, para efetivação de tais princípios, são disponíveis “os meios e recursos a ela inerentes...”.
Com efeito, deixar decisões judiciais sem controle e vedar a possibilidade de reforma é negar que um homem, mesmo se tratando de um juiz, é falível. Isto constituiria até negar a própria natureza do homem, ser de muitas virtudes, mas também de incontáveis defeitos...
Os Tribunais, formados por juízes (desembargadores) mais experientes, decide em colegiado e, de fato, várias cabeças pensando podem corrigir equívocos das decisões monocráticas.
Contudo, é imperioso registrar que há casos em que o duplo grau de jurisdição não é absolutamente obedecido em nosso ordenamento.
Os casos de competência originária do STF não comportam, por motivos óbvios, a possibilidade do duplo grau de jurisdição. Que Corte seria legitimada para reformar, em grau recursal, os decisórios da Corte Constitucional por excelência?
Também confirmando este espírito, cabe mencionar que, em regra, a legislação e a prática forense tem tolerado a impossibilidade de recurso contra certa decisões interlocutórias no Juizado Especial e na Justiça do Trabalho.
Tendências processuais mais modernas, em busca da celeridade, do desafogamento do Judiciário, da economia processual e, por conseguinte, da verdadeira efetivação do Direito, tem se posicionado, com firmeza, no sentido de restringir moderadamente a vastidão de recursos e suas múltiplas possibilidades, até para evitar que o princípio do duplo grau de jurisdição, uma proteção constitucional, seja desviado de seus verdadeiros fins e seja manipulado como estratégia de protelar processos.[30]
Registre-se também, embora tal corrente seja minoritária, que há quem até defenda a completa e absoluta extirpação do duplo grau de jurisdição. Mais uma vez usando dos ensinamentos de famosa obra sobre Teoria Geral do Processo da lavra de Ada Pellegrin Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra (que, embora façam tal alusão a este pensamento, se mostram favoráveis ao duplo grau de jurisdição), tem-se o seguinte:
“O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso. Apesar disso, ainda existe uma corrente doutrinária- hoje reduzidíssima- que se manifesta contrariamente ao princípio. Para tanto, invoca três principais circunstâncias: a) não só os juízes de primeiro grau, mas também os da jurisdição superior poderiam cometer erros e injustiças no julgamento, por vezes reformando até uma sentença consentânea com o direito e a justiça; b) decisão em grau de recurso é inútil quando confirma a sentença de primeiro grau, infringindo até o princípio da economia processual; c) decisão que reforma a sentença de jurisdição inferior é sempre nociva, pois aponta uma divergência de interpretação que dá margem a dúvidas quanto à correta aplicação do direito, produzindo a incerteza nas relações jurídicas e o desprestígio do Poder Judiciário”.[31]
3.7- Princípio do devido processo legal
Não seria indevido dizer que o princípio do devido processo legal constitui a base de todos os demais.
Firma o art. 5º, LIV, da CF/88:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
O due process of law tem sua origem na Magna Carta de 1215. Trata-se de um princípio que garante aos litigantes todas as garantias e o direito a um processo no qual, ao final, deverá ser proferida sentença justa.
Cumpre dizer que o devido processo legal é um princípio de tanta grandeza que não pode ser estudado apenas como assertiva do Direito Processual. Há também um aspecto substantivo no devido processo legal. Segundo Nelson Nery Júnior, esta caracterização ocorre com o devido processo legal “atuando no que respeita ao direito material, e, de outro lado, à tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo”.[32]
O devido processual legal configura, em verdade, autolimitação ao poder estatal, que não pode editar normas que ofendam a razoabilidade e afrontem as bases do regime democrático[33].
3.8- Princípio da proibição de produção de provas ilícitas[34]
Diz a CF/88, no art. 5º, LVI:
“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
A vedação de produção de provas ilícitas se coaduna com o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa, com o princípio da isonomia, enfim, mostra proximidade com toda a principiologia que segue o processo. Torna também evidente a natureza instrumental do processo, de maneira que se ele é meio para o alcance da paz social, a efetivação do Direito e a busca da Justiça, não deve admitir desvios ilícitos em seu caminho. Por óbvio, o processo deve estar inspirado em sua construção por todos seus fins. O obstáculo às provas ilícitas é que tão firme que o STF (Supremo Tribunal Federal) tem entendido que até mesmo as provas derivadas de provas consideradas ilícitas também são contaminadas pelo vício anterior.
3.9- Princípio da motivação das decisões judiciais
Se o Estado tomou para si, com exclusividade, a jurisdição, isto não quer dizer apenas que o Estado tem o monopólio das decisões. Além disto, cumpre ao Estado proferir decisões justas, razoáveis, e, para tanto, explicitamente fundamentadas.
A motivação das decisões judiciais impede que magistrados, a seu bel prazer, decidam de forma dissonante do previsto no ordenamento jurídico. Embora o legalismo sufocante e as interpretações meramente literais da lei não sejam tônicas que devem orientar o julgador, ainda assim há parâmetros inafastáveis em uma decisão judicial. O juiz não pode decidir como bem entenda, sem expor as etapas de seu pensamento, a formação de sua convicção. Em um processo, as partes puderam fazer alegações, produzir provas, sustentar versões jurídicas para suas pretensões e é com base neste universo que o magistrado deve justificar seu convencimento.
O princípio da motivação das decisões judiciais combina com a necessidade de transparência nas decisões judiciais, de maneira que está intimamente associado com o princípio da publicidade, um norte criterioso no controle das atividades judiciais.
O já mencionado art. 93, IX, da CF/88, é exemplo nítido da preocupação do legislador constitucional com a observância deste princípio.
3.10- Princípio dispositivo
A essência do princípio dispositivo é que compete às partes o ajuizamento da demanda. A jurisdição é inerte, deve ser provocada. O juiz não produz a ação de ofício.
Em verdade, este princípio tem grande previsão na primeira parte do art. 262 do CPC, que diz o seguinte:
Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.
Também prevaleceu, por um bom tempo, idéia no sentido de estender o princípio dispositivo no que concerne à produção de provas, de tal maneira que o juiz, para manter sonolenta “imparcialidade”, deveria ficar inerte, só admitindo provas trazidas pelas partes, sem, em nenhum instante, participar da coleta de provas.
Esta inércia do juiz era mais estimulada no processo civil do que no processo penal. No processo penal, guiado pela busca da “verdade real”, o juiz deveria ser mais ativo na busca, por ele próprio, de provas para formar sua convicção. No processo civil o juiz deveria se contentar com a “verdade formal”, ou seja, se limitar a trabalhar com as provas trazidas pelas partes.
Esta arcaica distinção doutrinária é passível de inúmeras críticas.
Imaginemos a situação da parte menos favorecida economicamente que, desprovida de recursos, contrata advogado mais relapso no cumprimento de suas tarefas processuais. Se o advogado não trabalha, não corre atrás das provas, como fica a situação da parte?
Também tenha-se em mente a situação da parte frágil que não tem pecúnia para fazer frente aos gastos de uma complexa perícia processual. Se a prova só deve ser produzida pelos esforços da parte e esta tem limitações sérias para fazer suas alegações serem comprovadas em juízo, o formalismo do processo significará a tomada de uma decisão injusta?
Mesmo a divisão da verdade em “verdade formal x verdade real” é uma criação bizarra. Se, muitos vezes, o próprio conceito de verdade é cientificamente defasado e tem que ceder espaço para considerações que levem em conta apenas o plausível, o verossímil, o possível, como delimitar o que é “verdade formal” e a divisão (???) desta com a “verdade real” (não seria este termo um pleonasmo???).
Os tempos contemporâneos, com mudanças nos parâmetros dogmáticos do ônus da prova, diminuíram a influência do princípio dispositivo na busca de provas. Vige mais hoje, nesta seara, o princípio inquisitivo, ou seja, o juiz, sem exageros, com proporcionalidade e razoabilidade, pode, com forças próprias, determinar a realização de certas provas, saindo da figura de mero espectador que assiste passivamente o trabalho das partes.
Demonstrando a incidência desta nova máxima, o Código de Processo Civil, seara antes ligada aos preceitos equivocados da “verdade formal”, diz no art. 130 o seguinte:
Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
3.11- Princípio da oralidade
Trata-se também de princípio de ordem infraconstitucional e que vem sofrendo vários abrandamentos na processualística vigente.
A forma oral pura de condução de processos não é adotada no Brasil. Apesar de audiências e requerimentos serem realizados oralmente, faz-se necessária o registro destes termos por escrito.
Assinalando esta mudança de tendência do princípio da oralidade, Marcus Vinícius Rios Gonçalves assim se posiciona:
“Ao longo dos anos, a oralidade perdeu o significado original de procedimento em que todos os atos eram realizados oralmente. Hoje em dia, com a expressão “princípio da oralidade” quer-se significar a necessidade de o julgador aproximar-se o quanto possível da instrução e das provas realizadas ao longo do processo”.[35]
O princípio da oralidade ainda tem notável relevo nos Juizados Especiais, até porque é expressamente consagrado no artigo 2º da Lei 9099/95.[36]
3.12- Princípio da lealdade processual
A boa fé, a ética, a lisura e a probidade na condução dos processos deixaram de ser meros apontamento moral. O ordenamento jurídico exige tais balizas com severidade e pune quem foge destes ditames.
O processo não é só um instrumento técnico. É, sobretudo, um instrumento ético. Está posto à disposição das partes não exclusivamente para a resolução de seus conflitos, mas também para a efetivação do Direito e a paz social.
O dever de lealdade processual é inerente a todos aqueles que de alguma participam do processo, sejam juízes, promotores, partes, advogados, peritos, serventuários da Justiça, testemunhas.
Cumpre expor como um exemplo a Lei 10.358/01, que alterou a redação originária do art. 14 do CPC. Além de acrescentar um novo inciso (V), passou a atribuir obrigações não só às partes e procuradores, mas também a todos aqueles que participam no processo, sejam testemunhas, terceiros, servidores do Judiciário, peritos, o Ministério Público.
O art. 14 destaca o seguinte:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001, DOU 28.12.2001, em vigor 3 (três) meses após a data da publicação)
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - proceder com lealdade e boa-fé;
III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;
IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. (Inciso acrescentado pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001, DOU 28.12.2001, em vigor 3 (três) meses após a data da publicação)
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (NR) (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001, DOU 28.12.2001, em vigor 3 (três) meses após a data da publicação)
A sanção para quem viola tais premissas tem consectários civis e penais.
No processo civil, a punição ao litigante de má-fé é prevista no art. 18 do CPC:
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. (NR) (Redação dada ao caput pela Lei nº 9.668, de 23.06.1998)
Na seara criminal, o Código Penal não deixou passar em branco a questão da necessidade de punir quem atenta contra a lealdade processual, havendo inclusive o capítulo dos crimes contra a Administração da Justiça (arts. 338 a 359).
[1] Professor das disciplinas Teoria Geral do Processo, Processo Civil I e II e Prática Jurídica nas Faculdades Doctum/Leopoldina- MG; Especialista em Direito Civil pela UNIPAC- Ubá- MG; Mestrando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC- Rio.
[2] É importante ressaltar que neste processo de restrição do Direito às interpretações meramente literais, grande destaque deve ser dado também ao Código Napoleônico, o Código Civil Francês, que, em 2004, completou 200 anos.
[3] Este fenômeno de mutação do Positivismo recebeu o nome para alguns de Pós-Positivismo. Paulo Bonavides é um ardente defensor desta mudança de paradigma. Nos dias de hoje, doutrinadores de proa, com influência de correntes européias, temendo eventual confusão entre as acepções Pós-Positivismo e Pós-Modernismo, chamam este movimento de neoconstitucionalismo. Há também quem dê a este movimento de transformação no Positivismo os nomes de “Positivismo Ético”, “Positivismo Humanista” e “Positivismo Crítico”.
[4] Com o brilhantismo que lhe é peculiar, o Professor Willis Guerra Santiago é que anota que, na teoria, os princípios são harmônicos e frutos de consenso, contudo, na prática, os princípios podem colidir uns com os outros e revelar dissenso.
[5] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 01. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 25
[6] O conceito de igualdade remonta à Grécia Antiga, contributo dos filósofos. É bem verdade que a igualdade dos gregos tinha contornos bem distintos da isonomia que hoje se almeja, uma vez que era restrita, só se aplicando aos homens, excluindo mulheres, escravos e estrangeiros.
[7] Recorde-se que direitos e garantias fundamentais são cláusulas pétreas e, nos dizeres do art. 60, §4º, da CF/88, não podem ser suprimidos do constitucionalismo pátrio.
[8] “ A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial”. (GRIONVER, Ada Pellegrin et.al. Teoria geral do processo.14ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.p. 54).
[9] A ordem constitucional pátria é sensível aos parâmetros da igualdade substancial. Se assim não fosse, a CF/88 não teria dispositivos como o art. 1º, III, que valoriza a dignidade da pessoa humana, nem tampouco previsões como a idéia de que são objetivos fundamentais a construção de uma ordem livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução de desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/88, art. 3º, I, III e IV).
[10] Importante ressaltar que o princípio da isonomia e os casos concretos nos quais, em seu nome, são consolidados privilégios em prol dos mais fracos, não podem também consistir em privilégios exagerados, desmedidos, sob pena de ferir os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
[11] A íntegra da redação do art. 333 do CPC é a seguinte:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
[12] Nesta legislação, importante destacar o art. 4º:
Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.
§ 2º. A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 7.510, de 04.07.1986, DOU 07.07.1986)
[13] A concessão de prazos mais dilatados, além de favorecer o princípio da isonomia, também pode exemplificar o princípio da ampla defesa.
[14] Art. 100. É competente o foro:
I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento. (Redação dada ao inciso pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977)
[15] Diz a CF/88, art. 5º, I – “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
[16] Pondera o Professor Luiz Eduardo de Oliveira Faria, nobre docente dos Institutos Doctum/Campus Leopoldina das disciplinas Direito Penal e Processo Penal: “O Art. 497, inc. V, do CPP dá ao Juiz presidente do Tribunal do Júri a possibilidade processual de nomear defensor ao réu considerado indefeso, dissolvendo, por sinal, o Conselho de Sentença. Este artigo concatena-se com os Arts. 261 e 263, ambos do Código de Processo Penal, que tratam do acusado e seu defensor.
Porém, há considerável posicionamento doutrinário que não vê com bons olhos tal postura legal, acusando-a de não recepcionada pela ordem constitucional. Alega-se que a figura do "dativo", notadamente nas hipóteses de hipossuficiência do acusado, não possui mais amparo jurídico, eis que a CR/88 consagra a imprescindibilidade da Defensoria Pública no estado brasileiro. Esta discussão, no entanto, ainda requer maior consistência teórica e não é muito vivenciada na práxis forense”.
[17] Importante ressaltar que somente em tempos de guerra ou de ruptura com instituições democráticas é que há registros toleráveis de tribunais ad hoc. Um bom exemplo disto foi o Tribunal de Nuremberg, que julgo crimes perpertados por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
[18] Note-se que o presente dispositivo da Declaração Universal dos Direitos do Homem também tem previsão tendente a favorecer o contraditório, a ampla defesa, a isonomia e a publicidade, realçando como os princípios são, de fato, interligados.
[19] Os juízes não podem estar contaminados por parcialismos na apreciação de um processo. Se um juiz, em função de ligações com uma das partes, possui vínculos que retiram sua isenção de julgar, deve ser prontamente afastado do processo.
Confirmando isto, o CPC, nos arts. 134 e 135 preconiza o seguinte:
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüineo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consangüineo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do nº IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes deste, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atneder às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
[20] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 01. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 27
[21] Cumpre registrar que hoje há ainda uma sobrevivente presença desta idéia de condicionar o ajuizamento de ação ao esgotamento das vias administrativas. Trata-se dos casos levados à Justiça Desportiva, conforme previsão do art. 217, §1º, da CF/88.
[22] MIRANDA, Jorge.Manual de direito constitucional. Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 229
[23] O dispositivo em tela, inserido no art. 5º da CF/88 pela EC 45/04, está no inciso LXXVIII, e tem a seguinte redação: “ a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
[24] São condições da ação (tema a ser estudado melhor a posteriori): interesse de agir, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido.
[25] Registre-se que a redação do dispositivo constitucional já conta com os acréscimos feitos pela EC 45/04.
[26] É imperioso lembrar que a CF/88, no art. 5º, X, prevê que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
[28] Mais uma vez recorremos ao saber do nobre professor Luiz Eduardo de Oliveira Faria: “No que é pertinente à publicidade dos atos do processo na seara penal, consultando-se o Art. 792 do CPP podemos concluir que a publicidade é a regra do sistema criminal, comportando, entretanto, algumas exceções.
Frise-se, e este é um ponto criticável do Código, que, aliás, é de indole inquisitiva e facista, que em nenhuma hipótese menciona a lei a preservação da privacidade e dos direitos fundamentais atrelados à honra do réu, consagrando, claramente, exacerbada proeminência à figura do Juiz.
Merece, portanto, esta fração legislativa leitura crítica à luz da Constituição, em seu Art. 93, inc. IX, recente e perigosamente alterado pela EC. 45, que dá imenso prestígio ao sensacionalismo jornalístico investigativo.
Interessante seria também dar uma abordagem na questão da publicidade do inquérito policial consagrada no Art. 20 do CPP que, diga-se de passagem, é necessária ao sucesso dos trabalhos policiais, não podendo alcançar, em certas hipóteses, porém, os trabalhos do advogado, nos termos do Art. 7º, incs. XIII, XIV e XV e parágrafo 1º da Lei 8.906/94”.
[29] Registre-se que a redação do dispositivo constitucional já conta com os acréscimos feitos pela EC 45/04.
[30] Um bom exemplo desta tendência é o artigo 515, §3º, do CPC: 3º “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.” (NR) (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001, DOU 27.12.2001, em vigor 3 (três) meses após a data da publicação)
[32] NERY JR., NELSON. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.p. 33.
[33] Registra Firly Nascimento Filho: “A superação do devido processo legal observado como de aplicação exclusivamente processual decorreu de maior intervencionismo do Poder Judiciário nos negócios do Estado, o que se convencionou chamar de ‘governo dos juízes’, limitando a atividade estatal. “ (NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios constitucionais do processo civil atual. In “Direito, Estado e Sociedade- Revista do Departamento de Direito da Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro- ed. 20. Rio de Janeiro: PUC, jan/jul. 2002. p. 42).
[34] Este tema deverá ser objeto de maiores reflexões quando ocorrer um estudo mais acurado da “Teoria das Provas”.
[35] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 01. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 40.
[36] Art. 2º. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.